Por Marilane Teixeira* | Em Rádio Peão
O setor químico e farmacêutico brasileiro tem papel central na estrutura produtiva nacional, articulando-se com diversas cadeias industriais e mantendo uma relação estratégica com os mercados internacionais. Nos últimos anos, sobretudo diante do recrudescimento das tensões comerciais globais, esse setor passou a enfrentar novos desafios que afetam diretamente sua competitividade e inserção internacional.
Este artigo tem o objetivo de trazer elementos importantes para compreender tanto os impactos conjunturais, como o chamado tarifaço imposto pelos Estados Unidos, quanto as transformações estruturais em curso, que recolocam a necessidade de políticas industriais, tecnológicas e de inovação voltadas ao fortalecimento da base produtiva nacional.
Impactos do tarifaço e a inserção internacional
A imposição de sobretaxas pelos Estados Unidos em 2025 representou um choque significativo para as exportações brasileiras. No agregado, as vendas do Brasil para o mercado norte-americano caíram 27,7% entre julho e agosto daquele ano e 18,5% em comparação a agosto do ano anterior. A indústria de transformação foi ainda mais atingida, com queda de 32% e 22,6%, respectivamente.
De acordo com dados da ABIQUIM, no setor químico, o impacto é particularmente severo, já que a relação comercial com os Estados Unidos é histórica e fortemente integrada. Mais de 20 empresas químicas instaladas no Brasil são de capital norte-americano, e os EUA mantêm superávit estrutural na balança comercial setorial, próximo de US$ 8 bilhões anuais. Em 2024, o Brasil exportou US$ 2,4 bilhões em produtos químicos para os EUA, dos quais 82% concentrados em 50 códigos NCM, sobretudo petroquímicos básicos, intermediários orgânicos e resinas termoplásticas.
Com o novo pacote tarifário, apenas cinco desses itens permaneceram livres da sobretaxa, representando US$ 697 milhões exportados. Os demais, equivalentes a US$ 1,7 bilhão, passaram a ser tributados em 40% adicionais, totalizando uma carga de 50%. Tal medida afeta não apenas as exportações diretas, mas também setores que dependem de insumos químicos, como móveis, têxteis, couro e borracha, amplificando os efeitos negativos sobre a economia.
Empresas afetadas e produtos tarifado
A lista de produtos tarifados revela a diversidade de segmentos atingidos:
- petrolatum e parafinas/ceras (Cadium, Santa Cruz, Gequímica, Petrobras),
- cera Montan (BASF, Gequímica),
- BTX e fenóis/cresóis (Braskem, Petrobras, Unipar, Foscote),
- além de clorados e intermediários adicionais (Braskem, Petrobras, Dow, Oxiteno).
Entre os principais fabricantes destacam-se:
- Braskem,
- Petrobras,
- Foscote e o
- Group.
Esses produtos têm importância estratégica porque compõem cadeias produtivas intensivas em tecnologia e agregação de valor. O encarecimento artificial de sua comercialização fragiliza a competitividade do parque industrial brasileiro e pode desestimular investimentos em segmentos já pressionados pela concorrência internacional.
Desafios e perspectivas
O cenário descrito recoloca na agenda a urgência de uma política industrial integrada, capaz de reduzir vulnerabilidades externas e ampliar a autonomia tecnológica nacional. O setor químico, pela sua característica transversal, é fundamental para dinamizar outras áreas da economia.
O fortalecimento de instrumentos de financiamento, pesquisa e desenvolvimento, bem como de mecanismos de proteção e estímulo à produção local, é essencial para evitar um processo de desindustrialização mais profundo.
Além disso, o caso do tarifaço ilustra os riscos de uma dependência excessiva de mercados externos e reforça a importância da diversificação de destinos das exportações. A busca por novos parceiros comerciais, ao mesmo tempo em que se fortalecem cadeias regionais e se aprofunda a integração latino-americana, pode reduzir a exposição a choques externos.
Por fim, a dimensão regulatória e institucional é igualmente relevante. É necessário articular esforços entre governo, setor privado e instituições de pesquisa para construir uma estratégia de longo prazo, que contemple inovação tecnológica, sustentabilidade e valorização da mão de obra qualificada. O setor químico e farmacêutico, nesse sentido, pode ser um dos vetores de um novo ciclo de desenvolvimento industrial no Brasil.
Esse setor possui potencial estratégico para sustentar uma política de reindustrialização que dialogue com os desafios contemporâneos da transição energética, da digitalização e da sustentabilidade.
O episódio recente das sobretaxas norte-americanas funciona como alerta sobre a necessidade de reduzir vulnerabilidades externas e reforçar a base produtiva nacional. Cabe ao Estado, às empresas e à sociedade civil organizada atuar de forma coordenada para que esse setor se consolide como pilar de um projeto de desenvolvimento soberano e inclusivo para o Brasil.
* Marilane Teixeira é Economista, professora e pesquisadora do CESIT-IE – UNICAMP