Neste seminário do ciclo “Café & Pesquisa” o antropólogo norueguês Ståle Wig apresentou a trajetória que deu origem ao livro “Havana Táxi: relatos de uma revolução em movimento, resultado de um experimento etnográfico inusitado — a compra de um táxi em Havana” para compreender, por dentro, as transformações econômicas e políticas da ilha. O encontro contou com a presença do antropólogo Omar Ribeiro Thomaz (IFCH-Unicamp) e da professora Aline Marcondes Miglioli (IE-Unicamp), que discutiram o sentido contemporâneo da revolução cubana e as fronteiras entre economia e vida cotidiana.
A pesquisa de Wig nasceu em 2014, quando ele chegou a Cuba por acaso, no mesmo momento em que os Estados Unidos e o governo de Raúl Castro retomavam relações diplomáticas. A morte de Fidel, a chegada da internet móvel e o breve ciclo de abertura econômica moldaram a narrativa de uma sociedade em transição. Ao dirigir o táxi pelas ruas de Havana, Wig acompanhou histórias de cubanos que, entre esperanças e frustrações, tentam reinventar suas vidas sob um Estado que ainda controla o futuro.
O livro se estrutura em três personagens: Catalina, que tenta legalizar o táxi; Linet, que abre um pequeno negócio após romper uma relação abusiva com um russo; e Norges, blogueiro que sai do armário e acaba perseguido por defender a liberdade de expressão. As histórias se entrelaçam à observação direta do autor, que viveu o cotidiano dos motoristas e comerciantes da capital cubana, revelando contradições entre planejamento estatal, empreendedorismo e sobrevivência.
Omar Thomaz situou o relato de Wig no campo da antropologia pós-socialista, destacando o diálogo entre experiências de Cuba, Moçambique e Europa Oriental. Ele apontou como a ideia de “revolução” perdeu seu caráter transformador e se tornou, paradoxalmente, um símbolo de imobilidade política e controle social. O autor, por sua vez, reconheceu o choque com o Estado autoritário cubano e a ingenuidade de quem observa o país com os olhos de fora — vendo mudanças onde a população local enxerga estagnação e censura.
Para Aline Miglioli, o livro oferece aos economistas um retrato sensível das reformas em curso, revelando como o planejamento estatal se traduz na prática, nas fronteiras ambíguas entre legalidade e informalidade. Ela observa que Cuba vive um paradoxo: um Estado de bem-estar de manejo da pobreza, que garante serviços básicos, mas limita horizontes e gera cansaço coletivo.
Encerrando o diálogo, Wig refletiu sobre o distanciamento entre Estado e sociedade e sobre o risco de alienação política que permeia a ilha. A conversa reafirmou o propósito do Café & Pesquisa: aproximar linguagens e promover o encontro entre campos do saber que, ao olhar o mesmo fenômeno sob diferentes prismas, revelam sua complexidade humana, histórica e social.
00:00 – Abertura e apresentação do Café & Pesquisa
02:00 – Leitura do primeiro parágrafo de Havana Táxi
04:00 – Ståle Wig narra como nasceu sua pesquisa em Cuba
09:00 – Histórias dos personagens: Catalina, Linet e Norges
17:00 – Conflitos com o Estado e vigilância em Havana
23:00 – Omar Thomaz: a revolução e o olhar pós-socialista
31:00 – O conceito de revolução na América Latina
45:00 – Democracia, autoritarismo e paralelos com o Brasil
50:00 – Aline Miglioli: planejamento, economia e cotidiano
59:00 – Debate final e reflexão sobre o futuro de Cuba