A desigualdade de renda e patrimônio no Brasil, tema recorrente na literatura econômica, ganha contornos mais precisos à medida que novos dados são incorporados às análises. Claudio Salvadori Dedecca (IE-Unicamp) e Cassiano José Bezerra Marques Trovão (UFRGN) exploram, em artigo para o Jornal da Unicamp, a evolução desse debate, destacando a importância de se olhar além da renda corrente e investigar também o estoque de riqueza detido pelas famílias.
Historicamente, a abordagem dominante, limitada pelas bases de dados disponíveis — como o Censo Demográfico e a Pnad do IBGE —, concentrou-se na renda auferida pelo trabalho e pela seguridade social. Contudo, em 2024, um marco importante ocorreu quando a Receita Federal disponibilizou informações detalhadas sobre a Declaração de Imposto de Renda da Pessoa Física (DIRPF), revelando a face menos visível, mas mais concentrada, da desigualdade brasileira: a riqueza.
Esses dados, ainda que restritos aos contribuintes obrigados a declarar e baseados em valores contábeis, expõem uma realidade alarmante. Em 2021, o patrimônio total declarado ultrapassou R$ 13 trilhões. Desse montante, impressionantes 78,4% pertenciam aos 10% mais ricos, enquanto 29,9% estavam concentrados no 1% do topo e 18,9% nas mãos de apenas 0,1% dos declarantes — que detinham, em média, R$ 682 milhões em bens e direitos.
No extremo oposto, quase 11 milhões de brasileiros declararam patrimônio negativo, evidenciando um contingente expressivo de pessoas em situação de endividamento. Esses números mostram que não se trata apenas de desigualdade de renda, mas de um fosso patrimonial que reforça as disparidades sociais e econômicas.
Além da concentração de riqueza, o estudo escancara uma segunda desigualdade: a tributária. Os 10% mais ricos detêm dois terços dos rendimentos com tributação exclusiva e isenta, mas apenas 24% da renda efetivamente tributável. No caso do 0,1% mais rico, menos de 3% de seus rendimentos são submetidos à alíquota máxima de 27,5%. Esse desequilíbrio fiscal contribui para perpetuar privilégios e fortalecer um círculo vicioso que conecta poder econômico e influência política.
Comparações internacionais reforçam a gravidade do quadro brasileiro: entre países da OCDE e do BRICS, apenas a África do Sul supera o Brasil em desigualdade de patrimônio, deixando até mesmo os Estados Unidos em posição mais igualitária. Essa concentração extrema de riqueza não se justifica por argumentos de meritocracia, tampouco estimula o dinamismo econômico ou a inovação. Ao contrário, consolida uma elite rentista que molda a estrutura tributária em benefício próprio, perpetuando desigualdades históricas.
Este retrato revela que a desigualdade patrimonial no Brasil não é apenas uma consequência do funcionamento do capitalismo, mas um elemento ativo na reprodução de injustiças sociais e econômicas. Dedecca e Trovão nos convidam a repensar o debate público sobre tributação, patrimônio e distribuição de renda, desafiando-nos a buscar soluções que rompam o ciclo de privilégios e exclusão.
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