Há tempos, o patamar da taxa básica de juros (nominal) no Brasil figura entre os maiores do mundo. Depois da flexibilização cambial, realizada em janeiro de 1999, observou-se uma notável redução do nível da taxa Selic. Uma nova diminuição passou a ser verificada a partir de 2006, principalmente depois (e na esteira) da crise global. Mais recentemente, contudo, a taxa Selic voltou a subir, mas tende a aumentar muito menos do que no passado e não há indícios consistentes de uma elevação substancial de seu patamar.
Sabe-se que o aumento do grau de efetividade dos canais de transmissão da política monetária e a mudança na regra da caderneta de poupança foram importantes para esse processo, no período mais recente. Mas, de fato, o contexto deflacionário nas principais economias do mundo contribuiu decisivamente para esse movimento. De todo o modo, para além dos fatores condicionantes, a taxa de juros no Brasil é alta ou baixa?
De um lado, principalmente antes do início do (provável) recente ciclo de alta da taxa Selic, alguns economistas sugeriam uma redução substancial da taxa básica de juros no Brasil, alegando se tratar de uma mera questão política. Não obstante, considerando o atual grau de efetividade dos canais de transmissão da política monetária, a indexação financeira, a dinâmica do processo de formação de preços, o índice utilizado no regime de metas para a inflação (o IPCA, sendo cerca de 1/3 correspondente a preços administrados, condição que atribui inércia à inflação) e a própria institucionalidade do sistema de ancoragem de expectativas vigente, uma redução abrupta da taxa Selic, sem o comprometimento do alcance da meta para a inflação, decerto seria dificultosa. Embora essa redução pudesse diminuir a pressão de valorização da taxa de câmbio nominal, ante a redução do diferencial de taxa de juros interna e externa, o ajustamento competitivo da taxa de câmbio real seria bastante complicado, em função da aceleração dos preços internos.
Controles devem ser manejados, ao mesmo tempo, de forma dinâmica e parcimoniosa
De outro lado, muitos economistas sustentam que a taxa básica de juros está baixa no Brasil, mesmo depois do último ajuste, sendo que reduções adicionais poderiam, inclusive, comprometer a credibilidade do regime de metas para a inflação, justamente por inviabilizar o cumprimento da meta. Curioso notar, contudo, que a maioria dos economistas desse grupo geralmente mostra-se contrária ao uso de controles de capitais para arrefecer a tendência à apreciação cambial, ensejada pelo elevado diferencial de taxa de juros (interna x externa). Os mais radicais, inclusive, sustentam que ao não se deixar a taxa de câmbio flutuar livremente (leia-se, neste caso, apreciar), o BC acaba dando uma espécie de “tiro no próprio pé”, ao não permitir que esse movimento contribua para o processo de convergência dos preços em direção à meta.
Uma análise crítica, contudo, permite afirmar que a taxa básica de juros no Brasil não é somente alta, tampouco somente baixa. Isso porque ela é, ao mesmo tempo, alta e baixa. Elevada, à luz do padrão internacional, condição que acaba estimulando operações de arbitragem (leia-se, especulativas) que tendem a valorizar a taxa de câmbio, mormente em contextos marcados pela liquidez internacional abundante e maior disposição dos investidores globais em adquirir ativos de risco mais alto. Baixa, pelo fato de, muitas vezes, esse patamar não ser suficiente para fazer com que os preços convirjam para a meta estipulada para a inflação, atualmente de 4,5%.
Objetivamente, isso significa que enquanto o poder da política monetária não for ainda mais elevado no Brasil, condição que requer, além do aprofundamento financeiro da economia, iniciativas capazes de tornar o processo de formação de preços mais sensível à taxa básica de juros (como a desindexação financeira, a redução da participação dos preços administrados no índice de preços etc.), a forma de lidar com essa contradição, qual seja, taxa de juros ao mesmo tempo alta e baixa, a depender do ângulo que se analise, sugere a necessidade de se fazer uso de instrumentos de controle sobre os fluxos internacionais de capitais. Do contrário, a tendência subsequente à valorização cambial, conjugada com o elevado custo Brasil, as importações cada vez mais competitivas e o baixo ritmo de crescimento da produtividade total dos fatores, tende a sufocar a indústria e a comprometer boa parcela da estrutura produtiva brasileira, desencadeando o fenômeno da especialização regressiva ou, até mesmo, da desindustrialização.
Dessa forma, a despeito das críticas que possam ser feitas, a necessidade de controlar os fluxos internacionais de capitais, além de ser importante para evitar volatilidades excessivas da taxa de câmbio, derivadas da instabilidade estrutural dos fluxos de divisas para as “economias em desenvolvimento”, decorre do referido paradoxo do patamar da taxa básica de juros no Brasil. A aplicação de controles sobre os fluxos de capitais acaba operacionalizando, de uma maneira mais facilitada, uma espécie de sistema dual de taxa de juros, uma para o mercado interno, destinada à remuneração dos investidores domésticos, e outra para o mercado externo, destinada à remuneração das aplicações em moeda estrangeira.
A taxa de câmbio constitui um preço-chave na economia e deve ser entendida como um importante vetor de competitividade, embora, evidentemente, não seja o único. A sua gestão pode ser funcional (ou não) ao desenvolvimento. Por isso, ela não deve ser utilizada como mero instrumento de desinflação, pelo governo, tampouco como veículo de elevação da taxa de juros em dólar, pelo mercado.
Entrementes, para cumprir a função desejada, tais controles devem ser manejados, ao mesmo tempo, de forma dinâmica e parcimoniosa. Evidentemente, essa estratégia não é isenta de custos. Ocorre, no entanto, que a opção pela não intervenção, no contexto de taxa básica de juros ao mesmo tempo alta e baixa, a depender do ângulo de análise, pode gerar distorções ainda mais agudas e potencialmente deletérias sobre a economia brasileira.
Giuliano Contento de Oliveira é professor doutor do Instituto de Economia da Unicamp. giuliano@eco.unicamp.br