José Dari Krein
O trabalho por plataformas digitais constitui-se, hoje, como um dos principais desafios à regulação social e trabalhista, impactando não apenas a pesquisa científica, mas também a prática política. Uma de suas principais novidades é a possibilidade de as empresas arregimentarem um conjunto de trabalhadores(as) sem assumirem responsabilidade sobre eles, buscando não pagar os direitos trabalhistas nem garantir-lhes proteção social. Assim, essas empresas radicalizam, na prática, as reformas trabalhistas de desconstrução de direitos e de individualização da relação entre empregado e empregador.
É um fato que há reações sociais em diversos países a essas práticas das empresas de plataforma. Nesse cenário, o sindicalismo tem buscado se aproximar dessas novas categorias de trabalhadores — em especial motoristas e entregadores por aplicativo — que enfrentam múltiplas expressões da precarização da vida e do trabalho.
Em distintas localidades, observa-se que sindicatos historicamente consolidados vêm desenvolvendo estratégias voltadas à organização desses trabalhadores, ao passo que surgem novos sindicatos e formas alternativas de organização coletiva, muitas vezes sem reivindicar explicitamente a identidade sindical, mas que atuam na defesa de seus interesses. Nesse contexto, combinam-se táticas tradicionais e inovadoras no repertório de lutas, respondendo, com dificuldades significativas, aos novos e velhos desafios representados pelo imenso poder econômico e político das empresas de plataformas digitais. Estas, fortemente articuladas ao capital financeiro, acumulam lucros expressivos, quase sempre isentas de contrapartidas sociais mínimas ou de responsabilidades regulatórias efetivas.
A título de exemplo, mais de uma década após a chegada dessas empresas ao Brasil, o debate sobre a regulação do trabalho por plataformas digitais ainda é cercado por embates e controvérsias, como a iniciativa do governo Lula, no início de 2024, de apresentar o Projeto de Lei Complementar (PLP 12/2024), profundamente questionado tanto por trabalhadores do transporte de passageiros (por meio de suas organizações e influenciadores) quanto por diversos setores da intelectualidade, por instituir uma forma rebaixada de proteção.
Apesar de o projeto ser fruto de um diálogo social tripartite — envolvendo centrais sindicais, empresas e lideranças de motoristas de passageiros —, ele não conseguiu convencer as lideranças dos entregadores e vem sendo amplamente criticado no Parlamento brasileiro. Por exemplo, na audiência pública realizada pelo TST, apenas a empresa Uber e a Confederação Nacional da Indústria defenderam o referido projeto de lei.
A pesquisa desenvolvida por Eduardo Rezende Pereira, inserida em sua trajetória de investigação nos últimos anos, demonstra que o caso brasileiro não é isolado. Ao contrário, insere-se em uma tendência global que combina o poder das empresas de plataforma com a incapacidade — ou falta de vontade política — dos Estados nacionais de enfrentar o desmonte dos direitos sociais e trabalhistas por meio de marcos regulatórios protetivos. Trata-se, portanto, não de uma ausência de regulação, mas da produção ativa de regulações regressivas, que reconfiguram a legislação em favor do capital. Esse fenômeno é observável tanto nas periferias quanto nos centros do capitalismo, como no caso francês — país historicamente reconhecido por sua capacidade regulatória e por formas de contestação política sustentadas por uma tradição sindical robusta.
A pesquisa também investiga o processo de introdução das plataformas digitais na França, com atenção ao papel desempenhado pelas confederações sindicais em relação aos trabalhadores por aplicativo. São analisadas as estratégias organizativas adotadas, os discursos produzidos sobre a natureza jurídica do trabalho em plataformas, os conflitos em torno da regulação e as respostas institucionais formuladas. Destacam-se, ainda, as especificidades do modelo francês de diálogo social e os impasses enfrentados na tentativa de regular esse novo tipo de trabalho mediado por tecnologia.
As dificuldades enfrentadas pelo sindicalismo, vale lembrar, não são recentes. O processo de reconfiguração das classes trabalhadoras, com as profundas mudanças na estrutura produtiva, na renda e no padrão de consumo, combinado à hegemonia das políticas neoliberais, impôs obstáculos significativos à ação coletiva e à organização dos trabalhadores, tanto no plano objetivo quanto no simbólico. Em um contexto marcado por retrocessos nos direitos sociais e trabalhistas, o fortalecimento das lutas coletivas é condição indispensável para a construção de alternativas de desenvolvimento que priorizem a justiça social e o trabalho digno.
Por fim, a contribuição da pesquisa científica é fundamental para compreender os impasses e contradições do tempo presente e, a partir disso, fomentar a reflexão crítica e a imaginação política sobre outros futuros possíveis.