O economista Waldir Quadros, professor aposentado do Instituto de Economia da Unicamp e membro do Cesit, apresenta uma radiografia do primeiro biênio do governo Lula 3 com base na Pnad Contínua do IBGE (séries 2022–2024). O estudo identifica avanço da mobilidade social e aumento da renda média familiar, com expansão das camadas médias e retração da pobreza extrema. Ao mesmo tempo, o autor discute o descompasso entre esses indicadores e a queda de aprovação do governo, sugerindo que a leitura exige variáveis políticas e institucionais adicionais.
Os dados agregados mostram que, entre 2022 e 2024, a “alta classe média” cresceu 26,7% (de 19,1 para 24,2 milhões de pessoas) e a “média classe média” avançou 17,9% (de 32,8 para 38,6 milhões). Na outra ponta, o contingente classificado como “miseráveis” recuou 33,0%, de 19,3 para 12,9 milhões. Em participação relativa, a estrutura social passa a ter, em 2024, 11,2% na alta classe média (8,8% em 2022), 17,8% na média classe média (15,1% em 2022), 40,7% na baixa classe média (41,4% em 2022), 24,4% na massa trabalhadora (25,8% em 2022) e 6,0% de miseráveis (8,9% em 2022).
No período, a renda média familiar total — calculada a preços de outubro de 2024, atualizada pelo INPC — sobe 14,3%, de R$ 5.416 para R$ 6.190. O autor adverte que as rendas médias de cada camada não devem ser comparadas isoladamente devido ao “efeito composição” (a variação do tamanho de cada estrato ao longo do tempo), sendo mais apropriado acompanhar a renda média global. Ainda assim, vale notar que, em 2024, as rendas médias por estrato ficam em R$ 21.908 (alta classe média), R$ 8.203 (média classe média), R$ 4.216 (baixa classe média), R$ 2.193 (massa trabalhadora) e R$ 591 (miseráveis).
O recorte regional confirma a tendência de melhora, com intensidades diferentes. A renda média familiar total cresce em todas as macrorregiões entre 2022 e 2024: Sul (+18,9%), Nordeste (+17,1%), Centro-Oeste (+13,6%), Sudeste (+12,3%) e Norte (+10,6%). Em 2024, as rendas médias regionais ficam em R$ 7.524 (Sul), R$ 7.368 (Centro-Oeste), R$ 7.137 (Sudeste), R$ 4.731 (Norte) e R$ 4.132 (Nordeste). Apenas Norte e Nordeste permanecem abaixo da média nacional.
A mobilidade social regional também é expressiva. O avanço da alta classe média é mais intenso no Sul (+41,9%) e no Nordeste (+34,1%), seguido de Sudeste (+26,7%) e Centro-Oeste (+23,0%); no Norte, o crescimento é de +11,9%. A média classe média aumenta acima da média nacional em todas as regiões, exceto no Sudeste, que iguala o resultado do país. A redução do grupo de miseráveis é generalizada, com destaque para o Norte (–40,8%), seguido de Sul (–31,1%), Nordeste (–32,6%), Centro-Oeste (–30,0%) e Sudeste (–26,0%).
O estudo também trata das condições macroinstitucionais que, segundo o autor, limitam a velocidade de mudanças na economia real e nas políticas públicas. Quadros aponta amarras no Congresso e no “mercado” — em particular a política de juros — e compara a despesa federal com juros em 2024 (R$ 950 bilhões) aos gastos em Saúde (R$ 216 bilhões) e Educação (R$ 111 bilhões). O texto acrescenta fatores de bem-estar imediato que pesam na percepção social, como a criminalidade e a carestia, que mantêm o custo de vida elevado e comprimem expectativas.
Para explicar o contraste entre indicadores socioeconômicos e popularidade, o autor sugere incorporar dimensões políticas e ideológicas. Destaca a margem estreita da vitória de 2022, o desgaste acumulado do PT após a Operação Lava Jato e a fragilidade da base governista no Congresso. Menciona ainda episódios recentes no cenário internacional e seus reflexos na opinião pública, bem como o reposicionamento de segmentos de centro-direita diante do bolsonarismo.